*Publicado originalmente na minha coluna da infomoney em 03/maio/20
Muito se tem falado sobre se a volta dos mercados financeiros (Bolsa em especial) a níveis muito próximos do que aconteceu antes da crise realmente expressa a magnitude dos problemas econômicos que estamos e vamos passar.
Algumas coisas já são claras em relação aos impactos que a quarentena forçada teve no mundo. Dentre os quais eu destaco: um aumento expressivo de desemprego, uma queda considerável no crescimento dos primeiro e segundo trimestres de quase todos os países do mundo quando comparado a expectativas anteriores, um aumento dos spreads de crédito e um esperado aumento da inadimplência.
Do ponto de visto dos países, houve uma queda generalizada nos níveis de juros (correntes e futuros), um aumento da liquidez realizado através de operações monetárias dos Bancos Centrais e um aumento das dívidas dos governos pela utilização de políticas fiscais.
No meu último texto sobre o assunto abordei a solução que todos os governos e Banco Centrais estavam realizando e coloquei as dúvidas que eu tinha sobre possíveis impactos inflacionários que isso poderia ter no médio e longo prazo.
De lá para cá tenho discutido e estudado muito sobre isso e coloco abaixo algumas das minhas conclusões:
- Se preocupar com inflação de consumo agora é cedo demais.
A preocupação atual de todos os governos e Bancos Centrais está em evitar a depressão económica e consequente deflação de preços. Dado isso, não vou me ater muito nesse ponto, mas gostaria de colocar que nos últimos anos, mesmo com a grande queda das taxas de juros em vários países do mundo não houve em nenhum momento um aumento da inflação. Questões como ganhos tecnológicos e uma maior propensão a poupar dos agentes podem estar no cerne dessa questão, mas tomemos por enquanto que isso pode continuar como foi nos últimos anos.
- Se temos mais dinheiro em circulação para onde vai esse dinheiro se não para itens que aumentem a inflação?
Essa é a pergunta de bilhões (ou será trilhões?) de dólares.
A tese encampada pelo dono do maior hedge fund do mundo, Ray Dalio, e que tem eco na estratégia adotada por um dos maiores gestores brasileiro (Stuhlberger do Verde), é de que teremos sim inflação, mas não inflação de consumo e sim inflação de ativos.
O argumento parte do princípio de que se temos praticamente a mesma quantidade de ativos hoje do que tínhamos há alguns meses, mas com uma quantidade de dinheiro em circulação muito maior, os preços dos ativos deveriam subir.
Ray Dalio comenta que o que se deve observar nesse caso nem é tanto o valor dos ativos, mas sim o valor do dinheiro. Com mais dinheiro em circulação esse deveria poder comprar menos, ou seja, o valor das coisas cotados nesse dinheiro subiria.
A pergunta que vem é porque isso não é o mesmo que um aumento da inflação generalizada?
Inflação no conceito económico depende não somente do valor do dinheiro, mas de uma ação das pessoas. Se o seu salário aumentar em 20% provavelmente você começará a gastar um pouco mais, seja em restaurantes, roupas, comprar um carro novo ou até mudar de apartamento.
Todos esses itens são captados nos índices de inflação e, portanto, se ocorresse em toda economia haveria um aumento da inflação.
O que vemos hoje é isso, mas do lado oposto, mais desemprego, gerando menos renda, que deve gerar menos consumo. Com isso a inflação deve ficar controlada por um bom tempo.
Por outro lado, nesse cenário atual, uma manutenção da renda, seja por programas governamentais, seja pela manutenção do seu trabalho atual, racionalmente fará com que você tenha uma tendência a poupar maior do que tinha antes. A insegurança que a maioria de nós tem na manutenção da renda futura hoje é maior do que ha três meses e isso nos levaria a uma maior poupança.
E com isso vem a inflação de ativos. Mais dinheiro para todos. Dinheiro que não irá para consumo irá obrigatoriamente para investimento.
Investimento em atividades produtivas? Que tenham muito risco e que dependam de um aumento do consumo futuramente? Muito provavelmente não. Ao menos nesse primeiro momento, um bom pedaço desse dinheiro deve ir para os mesmos ativos que estão por aí. Causando dessa forma o que é comumente chamado de inflação de ativos.
Nesse cenário tudo sobe. Bolsa, Ouro, Bitcoin. E até, após algum momento os títulos de renda fixa de empresas.
Onde esse racional pode estar errado?
O primeiro ponto é se os governos não conseguirem estancar o ciclo de piora e tiverem que continuar incorrendo em déficit sucessivos e grandes do ponto de vista fiscal. Conversando com um amigo sobre isso essa semana ele me lembrou que PIB é uma medida de fluxo e que o fato de o governo aumentar sua dívida em 10% esse ano e não aumentá-la ano que vem traria uma contração para o PIB do ano que vem. Sim, esse fator é importante e por si só corrobora essa visão de que o que está aí talvez não seja suficiente. A dúvida é se os governos conseguem sair do mercado nos próximos semestres ou anos de tal maneira que seu impacto no PIB seja substituído por um aumento da iniciativa privada. No caso americano, pós-1945 houve uma queda considerável da divida/PIB mesmo não sendo necessário uma grande contração dos gastos do governo, que ficaram relativamente perto de zero pelos 20 anos que se seguiram.
Mas, se continuarmos no raciocínio de déficits fiscais crescentes, dúvidas em relação à sustentabilidade da dívida do Estado seriam colocadas. Isso poderia resultar em problemas não só de financiamento, mas de cambio.
O contra-argumento para isso são as taxas de juros baixíssimas, o que facilita o refinanciamento da dívida, o fato de que divida de governo, diferentemente das de pessoas, nunca são precisarem ser pagas, e que crescimentos bastante baixos já colocam a dívida, qualquer que seja ela em um trajetória favorável.
O tamanho que a relação dívida/PIB pode atingir sem que se levante problemas sobre a solvência do país, também é um fator a se observar. 100% é um número que era bem observado no passado, mas com vários países suplantando isso (Japão por exemplo já tem dívida/PIB superior a 200%) fica a dúvida de qual o tamanho para que dúvidas começem a existir.
Por fim, um terceiro contra-argumento vem do fato de podermos ter uma recuperação em V da economia real, o que faria muito provavelmente com que o nível de emprego suba, o consumo suba e que possivelmente tenhamos uma inflação generalizada. Aqui fico com a visão do Parreiras da Verde, o item a se olhar para antever esse cenário é o título da dívida americana de longo prazo. Enquanto ele estiver baixo ganha a visão de inflação de ativos.
Óbvio que um cenário que passou ao largo da minha análise é um cenário de deterioração política no Brasil, cenário para o qual tenho que confessar minha incapacidade de fazer alguma previsão e que, portanto, acabo deixando fora da análise.
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